sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O PENTECOSTALISMO E O CULTO DO DIVINO NA ATUALIDADE

E O CULTO DO DIVINO NA ATUALIDADE

Rovílio Costa*
Resumo
O pentecostalismo nasceu dos evangélicos, no início do século XX, nos Estados
Unidos e na Inglaterra, os quais se separaram das Igrejas da Reforma,
na crença da próxima vinda de Cristo e da necessidade do batismo no Espírito
Santo. O polimorfo movimento carismático tem características próprias
entre protestantes e católicos.
PALAVRAS-CHAVE: Pentecostalismo. Metodismo. Renovação carismática. Batismo
do Espírito Santo.
Abstract
Pentecostalism has its origin in the evangelical religions, at the beginning of
the last century, in USA and England which have abandoned the Churches of
the necessity of the baptism in the Holy Ghost. The varied charismatic
movement has proper idiosyncrasy between Protestants and Catholics.
KEY WORDS: Pentecostalism. Methodism. Charismatic renovation. Baptism in
the Holy Ghost.
1 O pentecostalismo nasceu do desejo de reavivar o elã religioso
dos evangélicos que, no início do século XX, nos Estados Unidos
e na Inglaterra, se separaram das Igrejas da Reforma, na crença da
próxima vinda de Cristo e da necessidade do batismo no Espírito
Santo. Os pentecostais, no Brasil, são 75% dos protestantes, destacando-se
a Assembléia de Deus, com cerca de 1.500.000 de adeptos.

* Rovílio Costa é professor aposentado da Fac. de Educação da UFRGS, capuchinho.
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O movimento de renovação surgiu dentro do metodismo e das
Igrejas Batistas, que, no século XVIII, através de John Wesley, quis
renovar o episcopalismo ou anglicanismo e, no século XIX, surgiu,
dentro do metodismo, um movimento de renovação, para o qual não
bastava a conversão para a salvação, mas se fazia necessário o cristão
passar por uma experiência religiosa profunda, denominada batismo
no Espírito Santo.
O pastor metodista Charles Parham, em 1899, aderiu a esse movimento
da Holiness, recebendo o batismo do Espírito Santo em Topeka,
Kansas (USA), que lhe conferiu o dom das línguas, onde ele
tinha uma Escola de estudos bíblicos com cerca de 30 alunos. Lendo
At 2, 1-12; 10,44-48; 19, 17, ele e os alunos concluíram que o sinal do
batismo no Espírito Santo é a glossolalia, dom das línguas. Empolgado,
o grupo passou dias e noites em oração, pedindo a vinda do Espírito
Santo. Na passagem de 1901, ocorreu uma experiência na qual alguém
falou novas línguas. Durante uma vigília, Agnez Ozman, uma
das alunas de Parham, sentiu a necessidade de receber preces com a
imposição das mãos, passando, com isso, a falar em outras línguas.
Iniciou, assim, o pentecostalismo nos Estados Unidos, considerando a
glossolalia como sinal do Espírito Santo.
Em 1901, surgiu a primeira congregação pentecosta1, nome advindo
do desejo de reviver a experiência de Pentecostes, como na
origem do cristianismo. Os membros dessa congregação aspiravam a
outros dons do Espírito Santo, entre os quais o da cura de doentes,
mediante a imposição das mãos e oração de bênção. Ao pastor Parham
juntou-se o pastor negro da Igreja Holiness, W. J. Seymour.
Os dois pastores e seus discípulos não queriam fundar uma nova
Igreja. Queriam renovar as comunidades protestantes. Quando se viram
rejeitados, formaram congregações próprias, denominadas genericamente
de pentecostais. Logo se espalharam dos Estados Unidos a
outros continentes, especialmente a América Latina.
Os grupos pentecostais, em 1914, realizaram a primeira conven-
ção em Hot Springs, no estado de Arkansas. Essa convenção favoreceu
a criação das assembléias de Deus, que se espalharam com entusiasmo,
mas também logo se subdividiram em muitos grupos, originando-se
as Igrejas do Evangelho Quadrangular, da Restauração, Pente-
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costal Jesus Nazareno, Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de
Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus...
Os pentecostais criticam as Igrejas tradicionais, acusando-as de
envolvidas com compromissos mundanos. Nas práticas religiosas,
ocorre a comunicação direta com o Espírito Santo, o que gera êxtase
espiritual, que leva os crentes a falar línguas estranhas como aconteceu
aos apóstolos no Pentecostes. Seus líderes são escolhidos por suas
qualidades, independentemente do nível de formação. Qualquer um,
independentemente de sua posição hierárquica, pode fazer o que faziam
os discípulos de Cristo: curar, profetizar... Nas reuniões, o clima
é de relatos, orações e ritmado bater-palmas com cânticos. Dão importância
às experiências religiosas e à conversão.
Estima-se em 14 milhões o número de adeptos no mundo, que deram
origem à renovação carismática católica também.
Entre as afirmações doutrinárias dos pentecostais constam: “Somos
luteranos, no que concerne à justificação pela fé, e batistas pela
aceitação do batismo administrado por imersão unicamente aos adultos.
Mas nossa particularidade é o batismo do Espírito Santo, presença ativa
de Deus que se manifesta através do dom das línguas e do poder de
curar. No Evangelho não encontramos nenhuma hierarquia”.
Os pentecostais priorizam o sentimento comunitário, a participa-
ção, o entusiasmo de massa, os cultos alegres e simples.
Embora cada assembléia seja autônoma, há algumas características
comuns: 1. Prevalência da emoção sobre a razão. 2. Valorização dos
fenômenos extraordinários, que fazem vibrar, gritar e aplaudir. 3. Leitura
fundamentalista da Bíblia. 4. Centralidade nos interesses humanos,
apresentando-se, com fanatismo, milagres, sem senso crítico. 5. Prega-
ção de puro espiritualismo evangélico.
Para os pentecostais, a verdadeira Igreja de Cristo é idêntica à do
Pentecostes, com a mesma manifestação do Espírito Santo, com o dom
das línguas e o poder de cura pela força milagrosa da oração. No Brasil,
enumeram-se como pentecostais as seguintes denominações: 1) As Igrejas
Evangélicas – Igreja Evangélica Luz do Mundo, Volta de Cristo,
Assembléia Cristã Pentecostal, Pentecostal Livre, Pentecostal Cristã,
Missionária Pentecostal, Pentecostal Formosa, Pentecostal Unida, Pentecostal
de Santana, Pentecostal A Família de Jesus, Pentecostal Mundial
de Jesus, Pentecostal da Remissão Cristã, Universal Pentecostal
Brasileira, Universal dos Filhos de Deus, Todos Bem-vindos em nome
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de Jesus, Resolução Cristã, Pentecostal Unida para Cristo, Pentecostal
Jesus é o Caminho, O Mundo para Jesus, Missão Apostólica Brasileira,
Cristã Apostólica, Evangélica Pentecostal, da Renovação Espiritual,
Maravilha de Jesus, do Deus Vivo, Avivamento Bíblico, do Espírito
Santo, Pentecostal o Cristo para o mundo.... 2) As igrejas – Evrediana,
Cristã Maranatha, de Deus Reavivamento Pentecostal, Remidos no
Senhor, de Cristo Jesus... e numerosos agrupamentos denominados
Igrejas com concepções e práticas pentecostais, sendo as mais ocorrentes:
Assembléia de Deus, Igreja Evangélica Pentecostal, O Brasil para
Cristo, a Congregação cristã do Brasil e a Igreja Deus é Amor... Em
geral, cada Igreja tem um pastor que se autodefine presidente, e um ou
mais auxiliares.
O pentecostalismo brasileiro apresenta três ondas: – 1ª onda pentecostal:
Congregação Cristã (1910) e Assembléia de Deus (1911). –
2ª onda: A Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), Brasil para
Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). – 3ª onda ou o neopentecostalismo,
nascido do pentecostalismo autônomo: A Igreja Universal do
Reino de Deus (1977); a Igreja Cristo vive (1980) e a Igreja Internacional
da Graça de Deus (1980) [até aqui, Síntese de – Religiões,
crenças e crendices, de Urbano Zilles. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1998, p. 155-9].
2 O movimento carismático, ou neopentecostal, ou de renova-
ção carismática é um movimento contemporâneo, originário da Califórnia,
em Los Angeles, em 1906.
1) Para uns, o marco inicial teria sido a experiência do “batismo
no Espírito Santo”, ao Rev. Dennis Bennett, pároco da Igreja Episcopal
de São Marcos, na cidade de Van Nuys, em 1959.
2) Para outros, teria surgido na Associação Internacional de Homens
de Negócio para o Evangelho Pleno, na paróquia episcopal de
São Lucas, em Seattle, na paróquia episcopal do Redentor, em Houston,
Texas, e na Congregação pentecostal de Melodyland.
A Associação Internacional dos Homens de Negócio, além de
promover conferências em hotéis, longe das Igrejas históricas, realizava
exercícios espirituais no café da manhã, com a presença de pastores
convidados. De 1953 em diante, o jornal da Associação menciona, com
freqüência, experiências pentecostais. Exerceram influência, na ocasião,
Ralph Wilkerson e David Wilkerson, de Melodyland. As datas do co-
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meço do movimento, nas Igrejas históricas, seriam estas: episcopal:
1959, luterana: 1962, católica romana e presbiteriana: 1967, sempre nos
Estados Unidos. A origem remota do movimento carismático está no
movimento pentecostal propriamente dito, iniciado em 1906.
Semelhanças e diferenças entre pentecostais e carismáticos
A característica fundamental do pentecostalismo é a experiência
do Espírito Santo, que vem depois da conversão e se torna evidente
pelo falar em línguas e pela absoluta obediência da fé. A fonte
bíblica e doutrinária encontra-se em Atos 2,4: “Ficaram todos cheios
do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o
Espírito Santo lhes concedia que falassem”.
Essa recepção plena do Espírito Santo é tida superior à ênfase
que Paulo expressa no andar no Espírito e nos frutos do Espírito
Santo, em Gálatas 5, 15-23: “Andai segundo o Espírito, e não satisfareis
aos apetites da carne, porque os desejos da carne se opõem aos
do espírito, e estes aos da carne, pois são contrários uns dos outros.
É por isso que não fazeis o que quereríeis. Se, porém, vos deixais
guiar pelo Espírito, não estais sob a lei. Ora, as obras da carne são
estas: fornicação, impureza, desonestidade, idolatria, magia, inimizades,
contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas,
embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes, contra as quais vos
previno como vos preveni: os que as praticarem não herdarão o reino
de Deus. Mas o fruto do Espírito é: caridade, alegria, paz, paciência,
benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança. Contra
estas coisas não existe lei”.
Os pentecostais distinguem a simples recepção da plena recep-
ção do mesmo Espírito Santo. Assim a estabelecem: cada cristão é
batizado em Cristo. É o que chamamos de conversão ou regeneração.
Entretanto, nem todos são batizados por Cristo no Espírito Santo. O
Espírito Santo é o agente do novo nascimento, e o sangue expiatório
de Cristo, o meio. Resulta daí a regeneração. No batismo do Espírito
Santo, Cristo é o agente (‘Ele batizará com o Espírito Santo’), o Espírito
Santo, o meio, dando como resultado o poder do próprio Espí-
rito Santo. Sistematiza-se, dessa maneira, a experiência pentecostal.
O batismo do Espírito Santo cumpre a promessa do Pai: Cristo realiza
a promessa do Pai (Lc 24,49): “Eu vos mandarei o Prometido do
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meu Pai; entretanto, permanecei na cidade até que sejais revestidos
da força do alto”. Essa promessa é descrita segundo o anúncio do
Batista em Marcos 1,8 e seguintes. “Ele vos batizará com o Espírito
Santo”.
A promessa do Pai
Todos os crentes têm o direito e devem ardentemente esperar e
diligentemente procurar a promessa do Pai, o batismo do Espírito Santo
e do fogo, conforme a ordem do Senhor. Esta foi a experiência
normal de todos na Igreja Cristã primitiva. Com ela veio a investidura
do poder para a vida e para o serviço, a outorga dos dons e seus usos
no ministério (Lc 24,49; At 1,4-8; ICor 12,1-31). Essa experiência
maravilhosa distingue-se da experiência do novo nascimento e é posterior
à mesma (At 10,44-46; 11,14-16 e 15,7-9).
A evidência do batismo do Espírito Santo
O batismo dos crentes no Espírito Santo é testemunhado pelo sinal
físico inicial do falar em línguas, na medida em que é Deus quem
dá essa fala: “Ficaram todos cheios do Espírito Santo, e começaram
falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia falar”
(At 2,4). O falar em línguas é igual ao dom das línguas: “Há diversidade
de dons, mas um só Espírito. Os ministérios são diversos, mas
um só é o Senhor. Há também diversas realizações, mas é o mesmo
Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do
Espírito para proveito comum. A um é dada, pelo Espírito, uma palavra
de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, por este mesmo
Espírito; a outro, a fé pelo mesmo Espírito; a outro, a graça de curar
doenças, no mesmo Espírito; a outro, o dom dos milagres; a outro, a
profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade
de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas. Mas um só e
mesmo Espírito realiza todas estas coisas, repartindo, a cada um, conforme
lhe apraz” (lCor 12,4-10.28).
O batismo da água difere do batismo do Espírito Santo, que é
posterior ao da água, isto é, posterior à conversão. A regeneração seria
a primeira etapa a ser coroada pela recepção do poder do Espírito Santo,
numa outra etapa, que teria como sinal de evidência o falar em
línguas. Tal experiência ocorreria segundo determinadas condições.
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Em primeiro lugar, a conversão precede necessariamente à recepção
do Espírito Santo. Assim, há muitos convertidos sem o Espírito Santo.
A segunda condição é a obediência. O convertido pode obter o Espírito
Santo, por meio da obediência. A obediência pode ser ativa ou passiva.
A obediência ativa consiste em se afastar do pecado, que desagrada
a Deus. O crente busca esse afastamento, mediante a expiação
de Cristo. Ao se purificar pelo sangue de Cristo, o crente passa por
gradual santificação. Na medida em que cresce nessa santificação,
pode chegar à experiência do batismo do Espírito Santo. Há outros
que advogam o processo instantâneo da santificação. Para estes, a obra
da graça tem três etapas: regeneração, santificação (purificação do
coração) e o batismo do Espírito Santo propriamente dito. A santifica-
ção, como parte da regeneração, representa a fase preparatória para o
batismo do Espírito Santo.
Há pentecostais que reconhecem a atuação do Espírito Santo por
meio da obediência, mas distinguem a simples presença do Espírito
Santo e a sua plenitude.
O afastamento do pecado se expressa pela purificação do cora-
ção. Essa linguagem vem de Atos 15,8-9: “Ora, Deus, que conhece os
corações, testemunhou a seu respeito, dando-lhes o Espírito Santo, da
mesma forma que a nós. Nem fez distinção alguma entre nós e eles,
purificando pela fé os seus corações”.
Uma das expressões mais repetidas da obediência é a oração,
que precede à comunicação do Espírito Santo. “Se vós, pois, sendo
maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai
dará o Espírito Santo aos que lho pedirem” (Lc 11,13). “Durante a
última ceia, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas
que esperassem aí o cumprimento da promessa de seu Pai, que ouvistes,
disse ele, da minha boca, porque João batizou na água, mas vós
sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias” (At 1,4-5).
O Espírito Santo é concedido ao crente, na medida em que o pedir.
Deus cumpre a promessa do batismo do Espírito Santo, se o candidato
tomar consciência da necessidade do poder do Espírito Santo e
o buscar com perseverança e ardor. Não basta qualquer tipo de oração.
Ela precisa ser fervorosa. “Pedi e vos será dado. Buscai e achareis.
Batei e abrir-se-vos-á, porque todo aquele que pede, recebe. Quem
busca, acha. A quem bate, abrir-se-á” (Mt 7,7).
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A obediência também é passiva. Após a busca ardorosa, é preciso
esperar a doação dos dons. Essa passividade compreende a submissão
ao Espírito Santo e a permanência na comunhão pentecostal. Expressase
no esvaziamento e na total submissão ao controle do Espírito Santo.
Significa a permanência em Jerusalém, até que venha a plenitude do
Espírito. Nesse encontro, os candidatos são cercados por atmosfera
especial que inclui orações, exortações, glossolalia, etc., para se criar
clima favorável ao êxtase.
Quanto à fé, os pentecostais acreditam na fé que apreende Cristo
na salvação, distinta da outra fé que apreende a ação do Espírito Santo.
Assim, o Espírito Santo, em sua plenitude, não é dado a quem só
tiver fé em Cristo. É necessário duplicar a vinda específica do Espírito
Santo.
Quando se pergunta a respeito do caráter imerecido da fé, há
certa ambigüidade. Eles dizem que o Espírito Santo é dado livremente.
Mas também afirmam que é concedido aos que o procuram e pagam
o preço. Esse preço é a experiência. Encontramos aí a presença
de certo fator polêmico contra a sola fides. A fé é necessária, porém
com a experiência pentecostal.
Características do movimento carismático
É difícil caracterizar o polimorfo movimento carismático, porque
há diversos movimentos carismáticos entre os protestantes, e o
movimento carismático católico também não é monolítico.
Para o pentecostalismo, o fato de o movimento carismático ter
permanecido dentro das Igrejas históricas é sinal de um desvio, pois,
se tivesse sido fiel em sua mensagem, teria sido expulso dessas Igrejas.
E para o movimento carismático, o pentecostalismo surgiu de
uma controvérsia, por isso constitui-se fora das Igrejas históricas,
com impulsos sectários. A posição teológica da renovação carismática
pode-se estabelecer assim:
“O Deus que invadiu o mundo na pessoa de Jesus Cristo, há
quase dois mil anos, voltará de modo semelhante, no futuro. Continua
a influenciar o seu povo. Os efeitos de sua real presença devem
ser esperados e experimentados em nossas vidas” (Michel Harper).
A semelhança entre o pentecostalismo e o movimento carismá-
tico está precisamente nesse efeito e nessa experiência do Espírito
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Santo. Assim, quem crê no Espírito Santo precisa experimentar ou
passar pela experiência e pelos efeitos do Espírito Santo. Por isso,
como o pentecostalismo, o carismático fala em ‘batismo do Espírito
Santo’. Mas há diferenças, conseqüentes, talvez, da permanência do
movimento carismático nas Igrejas históricas. Vamos examinar quatro
dessas diferenças.
1) O batismo do Espírito Santo é o mesmo sacramento da inicia-
ção cristã, com água e em nome da Trindade. Essa iniciação é completa
no batismo. Não há dois estágios, um de regeneração e outro de
recepção do Espírito Santo.
De maneira semelhante, James D. G. Dunn afirma que o batismo
e o dom do Espírito Santo eram parte do evento que levava alguém
a se tornar cristão, juntamente com a pregação efetiva do
evangelho e a fé em Jesus Cristo como Senhor, mais o batismo com
água, em nome de Jesus. Esta é a posição das Igrejas históricas.
2) Os carismáticos aceitam a experiência do “batismo do Espí-
rito Santo”, mas nem sempre empregam essa mesma nomenclatura.
Concordam na unidade do batismo e na recepção do Espírito Santo.
Assim, o batismo pascal e o pentecostal são a mesma coisa. Entretanto,
encorajam a busca da experiência carismática.
3) A maioria do movimento carismático simpatiza com a posi-
ção pentecostal e aceita a terminologia do “batismo do Espírito Santo”.
Há, entretanto, pequena diferença. Ao invés da experiência dos
dois estágios, eles aparecem aqui ao mesmo tempo. Vê o “batismo
do Espírito Santo” como parte da iniciação cristã não separada dela.
Essa posição rejeita também o falar em línguas como condição necessária
da evidência do Espírito Santo, embora a aceite. A maioria
dos carismáticos católicos romanos estaria nessa posição.
4) Por fim, há carismáticos que aceitam a posição pentecostal.
Convergências e divergências
Carismáticos e pentecostais convergem na ênfase dada ao efeito
e à experiência do Espírito Santo na vida do indivíduo e da Igreja,
mas divergem na forma. O movimento carismático é menos dogmá-
tico e mais flexível que o movimento pentecostal.
Para os pentecostais, a experiência pentecostal é a redescoberta
do cristianismo. Por isso, o pentecostalismo representa a nova Re-
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forma da Igreja, superior a todas as reformas e renovações até agora
existentes na história da Igreja.
A V Conferência Mundial do pentecostalismo afirmava: “Dizem
que o pentecostalismo é a terceira força do cristianismo”. Mas,
de fato, é a primeira. Quem poderia negar que o primeiro período da
era cristã foi inteiramente pentecostal? A Igreja, porém, não permaneceu
nessa pureza original. Por isso, houve a Reforma, que, por sua
vez, não teve a plenitude e caiu no formalismo e no ritualismo morto.
Deixou aberta a necessidade de reavivamento. Por isso, surgiu o
movimento wesleyano. Mas esse exigia novo e maior dinamismo.
Assim, surgiu o movimento pentecostal que amadureceu e trouxe
frutos, causando também infelizes divisões. Muitos movimentos de
renovação, na sua infância, pensaram que estavam restaurando alguma
coisa. Mas, depois de exame mais cuidadoso, perceberam que
não se tratava de restauração, pois o que pensavam restaurar estava
presente na vida da Igreja, só que oculto ou inerte”.
Na verdade, práticas como o ministério da cura, por meio da
oração, da imposição das mãos e da unção com o óleo santo, “restauradas”
pelo movimento carismático, têm sido, na verdade, continuamente
realizadas nas Igrejas históricas, embora tenham sido
esquecidas em outras tradições. Os carismáticos divergem dos pentecostais
na questão do separatismo. Os pentecostais querem sobrepujá-lo.
Aqui vale a pena pensar o concreto: Se alguém for pedir
uma bênção a algum ministro das Igrejas históricas, sem qualquer
onda de carismatismo, verá que estará a constranger esse ministro,
que tem muitos conhecimentos, muitos raciocínios, mas está indeciso
na religiosidade do sentimento. Religião cristã, para a maioria,
não é para buscar satisfações, mas para tentar ser fiel a leis, verdades
e princípios. Já a Imitação de Cristo dizia, enfaticamente: “Não
busqueis as consolações de Deus, mas o Deus das consolações”. É a
isto que se opõe na prática, tanto o pentecostalismo como o carismatismo.

Outra nota diferenciadora do movimento carismático é a ausência
de perfeccionismo ou sua limitação. Não obstante, esse movimento
teria herdado as tendências pentecostais de perfeccionismo e
de separatismo. Mas há muita divergência de interpretação dentro do
próprio movimento carismático, que apresenta mais capacidade para
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absorver as tensões dentro das Igrejas históricas do que os pentecostais.
Por outro lado, é preciso reconhecer que as Igrejas históricas
não têm sido compreensíveis e tolerantes com as manifestações pentecostais,
e forçaram os grupos dessa tendência a se formarem em
novas denominações.
Movimento carismático e misticismo
O misticismo encontra-se em diversas religiões. É o voltar do homem
para o transcendental, para o vertical. Acontece, no mundo tecnológico
e secularizado, de que os Estados Unidos, sem dúvida, são um
ícone. O fervor religioso aparece justamente no mundo onde a secularização,
a burocratização e as instituições científicas se estabeleceram
com segurança. Os herdeiros da Reforma demonstram considerável
animosidade contra o misticismo. A hostilidade protestante consiste no
fato de o misticismo representar a tentativa humana de chegar a Deus,
por meio de práticas religiosas em contraste, naturalmente, com a sola
gratia. A questão oscila entre a pretensão humana de alcançar o divino,
de um lado, e a receptividade humilde da graça, do outro.
Mas, no próprio misticismo há certos aspectos que poderiam corresponder
à sola fides e à sola gratia. Por exemplo, o amor não é possessivo,
como afirmam alguns místicos. A experiência mística ocorreria
exatamente no momento do supremo abandono e passividade. Assim,
Deus se apossaria da vida mais do que a vida se apossaria de Deus.
Então, o misticismo teria de oscilar, por assim dizer, entre a experiência
de ser apossado por Deus e a de querer se apossar dele.
O pentecostal e o carismático querem se apossar e ser apossados
por Deus. E isto não confere com as idéias da apenas necessidade da fé
para ter a graça salvífica do protestantismo histórico, nem o ex opere
operato da Igreja Católica, que ainda está no subjacente e se equivale à
posição protestante. Para as Igrejas históricas, o místico, o carismático,
o pentecostal não passam de ingênuos, de fracos e de visionários estrambelhados.

Em outras palavras, há uma dimensão que equivale a não se sentir
em casa no cotidiano. A experiência mística traz a surpreendente sensa-
ção de não se sentir em casa naquilo que era antes considerado familiar,
abrangente, total, real. Assim, no misticismo há senso de contradição
entre os valores e aspirações da personalidade, de um lado, e os produtos
institucionais, do outro. Essa experiência extática, mesmo interiori-
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zada, pode ser um perigo para a ordem vigente. Daí ser importante, para
o futuro, a existência de místicos e visionários (Ruben Alves). O místico
e o visionário se enquadram no pensar de Sêneca, quando diz: “Pobre
não é o que tem poucas coisas, mas o que tem muitos desejos”. As coisas
não importam ao místico, e os desejos são dois apenas: possuir e ser
possuído por Deus!
Ecumenismo, adoração e corpo
É inegável a influência pentecostal nos grupos carismáticos. Os
grupos pentecostais, em geral, são avessos ao ecumenismo. A maioria
deles veio de redutos evangélicos conservadores. Para eles, a base da fé
cristã e da ação de Deus é a conversão e a salvação do indivíduo como
eventos, muitas vezes, isolados e momentâneos; a Bíblia, como a norma
infalível e única fonte de fé, e sua interpretação acentuadamente legalista;
posicionamento anticatólico.
A Conferência dos Carismáticos, em 1977, em Kansas, Estados
Unidos, teve a participação de 49% de católicos romanos, ao lado de
outras denominações protestantes (episcopais, metodistas, luteranos,
batistas) e de judeus messiânicos. Os carismáticos anglicanos interessam-se
pelo diálogo com os católicos romanos, em nível internacional.
Entretanto, é legítimo indagarmos se a visão carismática da unidade da
Igreja não se limita demasiadamente à experiência do Espírito Santo,
individual, enquanto, por exemplo, para as Igrejas históricas, a unidade
da Igreja está em função da unidade final de toda a criação, desejada por
Deus, e os pentecostais e carismáticos favorecem o individualismo, com
demasiada ênfase na salvação pessoal. E as Igrejas históricas, com a
católica, sempre mais encaminham à salvação em comunidade, resultância
da própria reza do Pai-nosso.
Os cultos de adoração e o entendimento da adoração são outro
ponto discutível. Adoração é a submissão de toda a nossa natureza a
Deus, é vivificação da consciência pela sua santidade; o sustento da
mente com a verdade de Deus; a purificação da imaginação pela sua
beleza; a abertura do coração pelo seu amor; a submissão da vontade ao
seu propósito – tudo reunido em adoração que é a emoção mais desprendida
de que é capaz a natureza humana. Adoração a Deus que se
realiza pelo corpo, por isso as pentecostais e carismáticas envolvem-se
corporalmente nas manifestações de adoração, o que para as históricas é
rejeitado pela maioria, tolerado por poucos e ridicularizado por muitos,
ou visto como mera teatralização.
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E aqui podemos abrir um parêntese e dizer que as diferenças práticas
estão na aceitação da fé-sentimento contra a fé-razão. Mas o sentimento
também é bíblico: “Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de
Deus, que apresenteis vossos corpos como uma hóstia viva, santa e
agradável a Deus, à maneira de um culto espiritual. Não vos conformeis
com este mundo, mas reformai-vos pela renovação do vosso espírito,
para que saibais aquilatar qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que
lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12, 1-2).
É preciso examinar a concepção bíblica do corpo como a possibilidade
do relacionamento, da comunidade e da Igreja. Afirmar e
viver que a Igreja é o Corpo de Cristo são coisas diferentes. Já se dan-
çou no culto, coisa proibida na Idade Média. Os carismáticos, por sua
vez, restauraram a prática da dança no culto, entendendo que a adora-
ção a Deus se faz por meio do corpo. A dança expressa a libertação.
Por isso, os cantos ritmados e dançados, com evoluções de cunho místico-corpóreo
(até aqui idéias tiradas de “Perguntas ao movimento
carismático” de Sumio Takatsu, em Religiosidade popular e misticismo
no Brasil. S. Paulo: Paulinas, 1984, p.63-74).
Entre os enfoques dos cultos pentecostais, temos os dias de cultos
para pedir prosperidade, oração pela família, oração de liberta-
ção, oração de curas, bênção completa, celebrações do descarrego,
celebração do Espírito Santo... sempre tentando descer ao campo
prático. O descarrego, por exemplo, se baseia em dois princípios
fundamentais para essas práticas. Não basta acreditar em Deus, é
preciso também se libertar do demônio, o antagonista de Deus que,
por sua Igreja, será vencedor. “As portas do inferno não prevalecerão
contra ela”, tornar-se-á realidade, se nos desfizermos do maligno. É
ele que provoca, segundo um portal de libertação de uma Igreja pentecostal
moderna, ou nos induz à mágoa, angústia, traição, separa-
ção, doenças, carro velho, maldição, amante, serasa, solidão, desemprego,
tristeza, comodismo, brigas, dívidas, aluguel, falências, ví-
cios, SPC...
O libertar-se do demônio e o salvar-se como empreendimento
individual transparece até nas ajudas de pentecostais à busca de carteira
de identidade, CIC, carteira de trabalho, Título de eleitor, agendamentos
médicos...
O pentecostalismo e o culto do Divino na atualidade 599
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 37, n. 158, p. 586-600, dez. 2007
Religiosidade voltada ao individual, avessa ao caminho da
constituição de comunidades cristãs comprometidas.
Muitas igrejas aconselham os fiéis a não contarem os próprios
problemas e dúvidas a ninguém, porque podem não entender, ou o
espírito do mal, que está nelas, pode prejudicar mais ainda. É uma
maneira de manter a dependência dos fiéis.
No final de uma história, de uma teoria, e uma busca de manifestações
práticas, cabe observar:
1º) O surgimento das pentecostais foi uma questão de diálogo, de
entendimento e de presunção da verdade unilateral, quase uma reserva
de mercado, que a Igreja católica, durante muito tempo, voltada para
si, proclamava: “Fora da Igreja não há salvação”.
2º) O rigorismo legalista coloca a lei como mediador para Deus,
muito mais ameaçador, enquanto Cristo nos diz – “Eu vim não abolir,
mas completar a lei e os profetas”.
3º) A preocupação das Igrejas históricas são os conhecimentos
religiosos e teológicos, pressupostos para a práxis, enquanto Cristo
não pediu aos seus apóstolos diploma da Universidade de Jerusalém,
mas lançou o convite: “Quem quiser vir após mim, tome a sua cruz e
me siga”.
4º) As pentecostais ameaçam com o demônio, origem dos infortúnios
e das maldades, e as históricas ameaçam com o pecado.
5º) Falta um pouco a todas apostar na graça, no Deus-amor, na
vida em abundância para todos e no sonho de Cristo de que todos sejamos
uma família unida.
Enfim, as Igrejas históricas hão de convir em deixar liberdade
aos seus fiéis de se deixarem possuir por Deus e de cultivarem a consciência
do direito de serem possuídos por Deus. In medio stat virtus.
No equilíbrio está a coerência.
Se eu dissesse que entendi o fenômeno do divino, nos Açores,
seria mentiroso. Mas me sinto plenamente livre em dizer que percebi
muito mais Deus no povo do que nas instituições. E os fiéis açorianos
não se preocuparam em sair das instituições, mas em viver o seu e
nosso Deus, dom de Cristo, o Espírito da Verdade que ele nos manda
da parte do Pai.
Não fossilizemos a devoção do Divino, com elucubrações e estudos,
olhares críticos, análises arbitrárias, interesses turísticos, mas
600 COSTA, R.
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 37, n. 158, p. 586-600, dez. 2007
olhemos os Açores nas Festas do Divino como, a cada ano, a renova-
ção do paraíso terrestre.
Abdiquemos dos critérios do direito de indicar às pessoas como
encontrar a Deus e de indicar a Deus como encontrar as pessoas!
É mais barato, em termos humanos, para Deus nos agraciar com o seu
Espírito do que o ato de nos criar!

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