sábado, 17 de setembro de 2016

Por que não ocorrem nos dias de hoje os milagres da igreja primitiva?

"A incredulidade de Tomé".
Obra de Caravaggio (1600-1601). 
Por Gutierres Fernandes Siqueira

Sou evangélico pentecostal desde 2001, mas nunca vi pessoalmente nenhum morto ressuscitar ou um cadeirante curado de sua deficiência. Entretanto, já ouvi inúmeros relatos sobre milagres extraordinários [1]. Talvez, você, caro leitor, já tenha visto algum fato fora do comum operado pelo Senhor ou, quem sabe, você tenha um forte testemunho de cura. Eu, por exemplo, ainda muito bebê peguei um sarampo fortíssimo onde o médico falou que a única esperança era sobreviver com sequelas. Graças ao bom Deus, não há nenhum resquício daquela doença. Mas repito: nunca vi um morto ressuscitar ou um cego de nascença passando a enxergar.

Reitero aos mais desavisados  que acredito em milagres e nos dons espirituais para os nossos dias. Aliás, acreditar em Deus e desacreditar de milagres é um raciocínio torto, ilógico, irracional... Bom, mas por que nos dias de hoje não vemos os milagres da primitiva igreja? Vejamos:

1. O livro de Atos é um relato histórico. É da natureza da narrativa histórica destacar os fatos mais importantes. Seja o historiador religioso ou secular, não veremos a menção do dia comum, mesmo sendo o "não-acontecimento" a tomar o maior tempo linear. Isso não quer dizer que os "fatos mais importantes" fossem ordinários. O historiador é um jornalista tardio. Você já assistiu algum jornal noticiando que a dona Maria foi na feira e comprou duas melancias? É claro que não. A notícia é sobre o acontecimento fora do comum. A história, da mesma forma, trata sobre os principais fatos. Portanto, devemos tomar o cuidado de não ler um fato histórico como o corriqueiro, o trivial. Portanto, não é porque você leu vários milagres em Atos que tais sinais fossem diários.

2. O milagre é, em si, extraordinário. O milagre é raro, pois se acontecesse todos os dias deixaria de ser milagre. É uma questão de lógica. Sim, você pode estranhar o fato de uma comunidade dita cristã vivendo em torno do milagre, pois a fé cristã tem milagres, mas não vive em torno dele. Devemos entender que o milagre é exceção e não a regra, o comum, o dia a dia. Paulo, o apóstolo, pergunta os coríntios: “Porventura são... todos operadores de milagres?” [1 Co 12.29]. Evidente que a resposta é negativa.

3. O milagre era a reafirmação da mensagem apostólica. Embora o dom de “poder para operar milagres” [cf. 1Co 12.10 NVI] seja acessível a qualquer cristão em qualquer época, também, é necessário entender que a natureza dos milagres através dos apóstolos visava a confirmação de sua mensagem [cf. At 2.43 comp. Mc 16.20 e At 14.3]. A Igreja Cristã é universal (católica, em grego) e apostólica, pois está baseada na “doutrina dos apóstolos” [At 2.42]. A Igreja está firmada sobre o “fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular” [cf. Ef 2.20 NVI]. O milagre, portanto, serviu como um selo de autenticidade da mensagem apostólica. Logo, se concluiu que a diminuição dos milagres no presente momento histórico se dá pelo fato de não estarmos a construir uma nova revelação escriturística. Nós, hoje, não temos a autoridade dos profetas e apóstolos do passado e, assim, a necessidade dessa confirmação sobrenatural é diminuída.

4. Embora Cristo seja o mesmo, a sua operação não necessariamente repete o passado. É muito comum no meio pentecostal citar Hebreus 13.8 para insinuar que o milagre do passado precisa repetir-se nos dias de hoje. O autor aos hebreus quis dizer que a natureza, o poder e o caráter de Cristo nunca mudam, mas não que Ele repete a sua forma de agir. O próprio livro começa informando que a forma de Deus se comunicar não é a mesma, mas passou por mudanças na pessoa de Cristo [cf. 1. 1-2]. Mortos ressuscitaram? Sim, é verdade. Mas na própria Bíblia depois vemos a ênfase sobre a esperança da última ressurreição. Horton escreveu: “Mas como Donald Gee informa (…) há, apenas, dois registros de ressurreição de mortos (Atos 9.40, 20.10). Nos outros casos, foi-lhes indicado o consolo da ressurreição e da volta do nosso Senhor (I Tessalonicenses 4.13-18)”.

5. Milagre não produz conversão,logo devemos nos preocupar mais com a falta da pregação evangélica. Blaise Pascal escreveu:

Se eu tivesse visto um milagre, dizem eles, eu me converteria. Como garantem que fariam o que ignoram? Imaginam que essa conversão consiste numa adoração que se faz de Deus como um comércio e uma conversão tal como a representam para si. A conversão verdadeira consiste em aniquilar-se diante desse ser universal a quem se irritou tantas vezes e que pode legitimamente pôr-vos a perder a qualquer momento, em reconhecer que nada se pode sem ele e que nada se mereceu dele, afora estar em desgraça. Ela consiste em conhecer que existe uma oposição invencível entre Deus e nós, e que, sem um mediador, não pode haver comércio [2].
6. Falta fé.E estes sinais seguirão aos que crerem “ [Mc 16.17]. Este tópico foi colocado por último propositadamente. Embora ache que as explicações já dadas mostrem bem que não devemos nos preocupar com essa pergunta, por outro lado, é inegável que precisamos ter mais fé no Deus no impossível. Sim, muitos milagres não acontecem porque simplesmente oramos mal ou agimos com ceticismo.

Referências Bibliográficas:

[1] HORTON, Stanley M. A Doutrina do Espírito Santo. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD 1993. p 299.

[2] PASCAL, Blaise. Pensamentos. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p 143.

FONTE http://www.teologiapentecostal.com

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